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Rumo a um Modelo Unificado do Eneagrama
Fabien & Patricia Chabreuil (Tradução por Karla Abreu T.)

O problema

Entusiasmados professores de Eneagrama, estamos confrontados com um duplo problema teórico e prático que é tanto desconfortável ao nivel pessoal como profissionalmente embaraçoso.

* - * - *

Analisemos primeiro a situação teórica em que se encontra hoje a comunidade do Eneagrama.

Assim que um apaixonado de Eneagrama deixa o seio de um autor ou de um instituto para se abrir à apresentação do Eneagrama por outros, vê-se confrontado com toda uma série de contradições entre as diferentes escolas. Algumas são implícitas ; outras são expressas de forma clara, e por vezes áspera.

As mais flagrantes oposições que registámos são as seguintes :

  • alguns consideram válido o conceito de asas, outros não (Patrick O'Leary)
  • alguns usam as setas (desintegração em um sentido, integração no outro), outros usam as linhas sem setas (desintegração e/ou integração em ambos os sentidos), outros ainda, ignoram este conceito
  • alguns consideram fundamental o conceito de Kathleen Hurley e Theodorre Donson sobre o centro reprimido, outros não
  • alguns utilizam a noção de subtipo instintivo, outros não
  • alguns aprovam a divisão de Don Richard Riso em nove níveis de desenvolvimento, outros não

A isto se acrescentam, obviamente, as discordâncias sobre os nomes e  funções dos centros, bem como as diferenças por vezes importantes na descrição dos tipos, relativamente as quais é difícil saber se são ou não o resultado das divergências precedentes.

Nestas condições, o que resta do Enegrama ? Talvez isto, uma proposta de novo logotipo para o IEA :

Novo logotipo para o IEA :-)

Mas então porque é que ainda chamamos ao nosso modelo o Eneagrama ? O que tem isso a ver com o símbolo do Eneagrama presente em todos os nossos documentos ?

As diferenças entre as várias escolas e formadores são normais e fonte de enriquecimento. Mas não é essa a questão aqui. Trata-se de contradições, de discordâncias, sobre pontos fundamentais do nosso modelo. Entre nós, fascinados pela riqueza e pelo potencial do Eneagrama, temos tendência a ser auto-indulgentes e a falar de diversidade ; no exterior, as pessoas  imbuídas de lógica e de abordagem científica falarão antes de incoerências.

Consideramos que esta situação é perigosa para a perenidade e o desenvolvimento do Eneagrama. Como podemos ser considerados profissionais sérios se não conseguimos chegar a acordo, pelo menos, sobre os conceitos básicos do nosso modelo  ? Será que a comunidade do Eneagrama quer que o Eneagrama seja a psicologia do século XXI ou a sua astrologia popular ?

* - * - *

Uma prática sem a priori só reforça  a confusão.

Nós animamos formações de Eneagrama. É fácil e tentador olhar para os alunos entusiastas que aderem ao nosso ensino. Isto só nos pode reforçar na qualidade da nossa prática e na validade do nosso propósito.

Mas se olharmos com mais cuidado, e, talvez, de forma um pouco menos egótica, chegamos a duas constatações :

  1. Alguns dos nossos alunos usam a totalidade do modelo que ensinamos ;  para eles, funciona perfeitamente e faz sentido imediatamente em suas vidas. Em contrapartida, outros parecem negligenciar este ou aquele aspecto que não lhes é realmente significativo. Às vezes, essa atitude pode ser explicada pela falta de auto-conhecimento. Mas nem sempre é o caso.
  2. De todas as pessoas que participam no nosso primeiro estágio e, portanto, manifestaram um forte interesse por um trabalho sério de auto-conhecimento, uma certa percentagem não sente a necessidade de aprofundar essa formação. É claro que se podem encontrar várias razões, pessoais, económicas, relacionais, etc. Não se pode, no entanto, excluir a ideia de que o modelo do Eneagrama lhes pareceu insuficientemente pertinente, apesar da descoberta em estágio do seu tipo.

Cremos que qualquer formador de Eneagrama pode fazer as mesmas observações e colocar-se as mesmas perguntas.

* - * - *

Há quase dois anos, iniciámos estudos cujo objectivo é resolver esta dupla dificuldade, dar conta das nossas observações,  e chegar a um modelo que explique mais e melhor o funcionamento da personalidade humana.

Desde o início, não nos sentimos apegados a uma escola particular do Eneagrama, reconhecendo em cada uma delas contribuições interessantes e de valor, vendo nos membros de cada uma delas pessoas criativas, honestas e competentes. Fomos animados pela idéia de que as contribuições dos vários autores refletiam partes diferentes e complementares da realidade. Por esta razão, nós chamámos nosso projeto o Modelo Unificado do Eneagrama.

O objetivo deste artigo é apresentar alguns de nossos primeiros resultados.

O Modelo Unificado do Eneagrama

O Modelo Unificado do Eneagrama considera a personalidade como o resultado de três tipologias distintas umas das outras e, portanto, cumuláveis :

  1. A tipologia do centro preferido
  2. A tipologia do centro reprimido
  3. A tipologia do centro instintivo

Tipologia do centro preferido

É a tipologia tradicional do Eneagrama. É conhecida de todos os leitores de Enneagram Monthly e limitar-nos-emos a recordá-lo de forma muito sucinta.

Cada tipo é caracterizado por :

  1. A preferência por um centro : instintivo (8, 91), emocional (2, 34) ou mental (5, 67).
  2.  A utilização para o interior e/ou para o exterior da energia desse centro.

No centro instintivo, o 8 utiliza a energia do centro para agir sobre o mundo que o rodeia ; o 1 quer agir sobre si mesmo e controlar-se ; o 9 hesita entre o uso interior e exterior do centro e, portanto, tem dificuldade em fazer uso adequado do mesmo.

No centro emocional, o 2 utiliza a energia do centro para aceder às emoções, desejos e necessidades dos outros ; o 4 interessa-se por experimentar as suas próprias emoções e o 3 hesita entre a utilização interior e exterior do centro e, por conseguinte, tem dificuldade em utilizá-lo de forma adequada.

No centro mental, o 5 usa a energia do centro para acumular informações sobre o mundo exterior, o 7 para construir planos interiores para seu próprio prazer e o 6 hesita entre a utilização interior e exterior do centro e, portanto, tem dificuldade em fazer  uso apropriado do mesmo.

Uso do centro preferido

Este duplo recorte determina nove tipos que podem ser descritos com maior precisão através de uma paixão, virtude, compulsão, fixação, crença básica e perda de um atributo espiritual fondamental.

O centro preferido é inato e permanece constante ao longo da existência.

Tipologia do centro reprimido

 O conceito de centro reprimido foi formulado com clareza pela primeira vez por Kathleen Hurley e Theodorre Donson, a partir de informações presentes no famoso livro de Beesing, Nogosek e O'Leary (com base nas teorias de Oscar Ichazo) e nos escritos de Maurice Nicoll.

No seu apaixonante livro My Best Self, Kathleen e Theodorre definem o centro reprimido como aquele que, na sequência de uma lesão original, "nós amamos menos, compreendemos menos e cujo uso evitamos com grande habilidade e astúcia." (p. 128). Para eles, "o centro reprimido controla silenciosamente a nossa personalidade".

Kathleen e Theodorre pensam que cada um dos eneatipos não somente prefere um dos centros, mas também reprime um dos centros. Assim, chegam, para cada tipo, a uma hierarquia dos centros :

  1. O centro preferido que é sobrevalorizado
  2. O segundo centro, ou centro de apoio, utilizado ao serviço do centro preferido
  3. O centro reprimido que é subvalorizado.

Conservam, portanto,  a estrutura em nove tipos, embora admitam duas hierarquias dos centros possíveis para os tipos 3, 6 e 9, e chegam assim a doze combinações possíveis. Estão representadas na figura abaixo por meio da seguinte notação :

I = centro instintivo ; E = centro emocional ; M = centro mental.
i = utilização interior do centro preferido ; e = utilização exterior do centro preferido ; i/e = procura de equilíbrio entre as utilizações interior e exterior do centro preferido.

Eneagrama (modelo da Hurley e do Donson)

Para explicar a nossa visão do centro reprimido, somos obrigados a fazer uma análise crítica do modelo da Hurley e do Donson. Foi por termos achado a sua abordagem do Eneagrama iluminadora que a analisámos e estudámos cuidadosamente, e consideramos o nosso trabalho não como uma contestação mas como uma extensão da sua contribuição.

As combinações em falta

A tipologia do centro preferido combinada com a utilização interna e/ou externa da energia do centro é suficiente para determinar nove tipos. Quando a Hurley e o Donson introduzem o conceito do centro reprimido, são levados a pressupor que todos os tipos reprimem obrigatoriamente um centro. Por exemplo, segundo eles, um 1 reprime automaticamente o centro mental e obedece à seguinte hierarquia :

centro instintivo preferido para o interior [centro preferido]
centro emocional [centro de apoio]
centro mental reprimido [centro reprimido]

Hurley e Donson afirmam que esta hierarquia existe, mas não a justificam. Porque é que um 1 reprimiria necessariamente o centro mental ? Porque não haveria de existir uma combinação :

centro instintivo preferido para o interior [centro preferido]
centro mental [centro de apoio]
centro emocional reprimido [centro reprimido]

Aliás, Hurley e Donson são obrigados a admitir duas hierarquias possíveis para os tipos do triângulo 3, 69. Aqui estamos nós com doze tipos. Adeus, Eneagrama. Olá, dodecagrama  :

  1 2 3 4 5 6 7 8 9
Centro preferido I-i E-o E-i/o E-i/o E-i M-o M-i/o M-i/o M-i I-o I-i/o I-i/o
Centro de apoio E I M
I
I
M
M E E
I
I
E
I M M
E
E
M
Centro reprimido M M E E I I M M E E I I

Seis combinações são logicamente possíveis e não são descritas por eles. Correspondem sempre aos tipos do Eneagrama definidos pelo  centro preferido e sua direção de utilização, mas com uma hierarquia dos centros que inverte o segundo e o terceiro centro em relação ao modelo de Hurley e Donson. Para os distinguir dos outros, fazemos seguir o número do tipo da letra grega μ (pronunciar mu).

  1 μ 2 μ 4 μ 5 μ 7 μ 8 μ
Centro preferido I-i E-o E-i M-o M-i I-o
Centro de apoio M M I I E E
Centro reprimido E I M E I M

Se olharmos com atenção e interrogarmos as pessoas que se reconhecem apenas de forma imperfeita no modelo actual do Eneagrama, encontramos representantes destes tipos novos :  12 que utilizam o seu centro mental melhor do que é habitualmente descrito, 45 com boas capacidades instintivas, 78 mais emocionais do que seria de esperar.

Então aqui estamos nós com 18 combinações. Como podemos integrá-las no modelo do Eneagrama ?

A lei circular

A lei circular foi formulada em Junho de 1997 por um dos nossos alunos, Patrick Alexandrine.

Examinemos, em correlação com a hierarquia dos centros de Hurley e Donson, a integração dos tipos localizados no hexágono interior :

5 8 2   4 1 7   5
M I E   E I M   M
E M I   M E I   E
I E M   I M E   I

Ao examinar este quadro, podemos fazer três constatações interessantes :

  • A integração faz-se respeitando o sentido da utilização da energia dos centros : exterior (5 -> 8 -> 2), e depois interior (4 -> 1 -> 7).
  • Em cada uma destas tríades, a integração faz-se por permutação circular dos centros :  o terceiro torna-se o primeiro, o primeiro torna-se o segundo e o segundo torna-se o terceiro.
  • Os pontos 27 representam uma ruptura na permutação : o centro preferido permanece o mesmo, mas o seu sentido de utilização muda do exterior para o interior (2 -> 4) ou do interior para o exterior (7 -> 5).
Interpretação da lei circular

Consideramos que a lei circular não é uma mera coincidência matemática :

  • Parece-nos normal que a integração se faça ligando-se ao seu centro reprimido, corrigindo assim o desequilíbrio principal do tipo. Por exemplo, o 5 que prefere o mental e reprime o instintivo integra-se em 8 que prefere o instintivo e tem o mental como centro de apoio.
  • A ruptura dos pontos 27 pode explicar-se pelo facto de estes dois tipos nos parecerem caracterizados por um "desperdício" do seu centro preferido : o 2 é incapaz de focalizar o uso exterior do seu centro emocional numa única relação, tal como o 7 é incapaz de focalizar o uso interno de seu centro mental numa única idéia. Assim, os tipos 2 e 7 têm de aprender algo primeiro sobre o seu centro preferido. Durante a sua integração, eles mantêm seu centro preferido e mudam a sua direção de uso.
As 18 combinações

Utilizando a lei circular, é então possível colocar as 18 hierarquias dos centros possíveis em dois Eneagramas que apenas diferem pelo sentido das setas. Propomos chamar o primeiro, correspondente ao modelo habitual, da letra grega α (pronunciar alfa) e o que integra os novos tipos da letra grega μ.

Hierarquia dos centros

Por exemplo, uma pessoa que nos diz que o seu ego é do tipo 7 está a indicar-nos qual é o seu centro preferido : mental  utilizado para o interior.

Se for 7 α, a hierarquia dos centros é M-i, I, E : é extremamente ativo ; investe energia na realização de alguns dos seus planos ; sob aparências relacionais, evita qualquer compromisso emocional implicando. A integração faz-se em 5 α renunciando a voar de um lado para outro de forma superficial, aprofundando as suas ideias e aprendendo a concentrar-se até à obtenção de um conhecimento aprofundado. A desintegração em 1 α torna-o rígido, irascível e picuinhas.

Se for 7 μ, a hierarquia dos centros é M-i, E, I : ele está consciente das suas emoções interiores e muitas vezes do fato de que o seu otimismo é uma defesa ; ele envolve-se mais nas relações e integra os outros na sua busca de prazer ; tem muita dificuldade em agir e em concretizar os seus planos. A integração faz-se em 1 μ, agindo em nome dos seus valores e sendo responsável, eventualmente  em detrimento do seu próprio prazer. A desintegração em 5 μ leva-o ao isolamento, à avareza e à uma acumulação estéril de informações.

Este modelo explica as divergências entre os diferentes autores quanto à utilização das linhas do Eneagrama, propondo um modelo mais geral. Mas o mais importante não está aí : é que este modelo relata nossas observações. Os tipos μ que nós tinhamos observado têm de fato uma utilização das setas do Eneagrama reversa daquelas dos tipos geralmente descritos.

A nossa generalização do modelo do centro reprimido apresenta as seguintes vantagens :

  • Descrição mais fina da personalidade humana, cada tipo existindo em duas variantes segundo a hierarquia entre os segundo e terceiro centros
  • Utilização de setas em ambos os sentidos de uma forma mais consentânea com a experiência das pessoas, mantendo ao mesmo tempo uma estrutura previsível
  • Melhor compreensão de certas confusões entre tipos, nomeadamente para as personalidades do triângulo, algumas das quais nunca foram explicadas anteriormente (por exemplo, a hierarquia dos centros faz com que um 6 α possa assemelhar-se a um 2 α ou a um 4 μ e que um 6 μ possa  assemelhar-se a um 1 α ou a 8 μ)
  • Resolução de certas peculiaridades : por exemplo, Helen Palmer descreve na empresa, e isto corresponde à nossa experiência, 5 que se comportam como 84 que se comportam como 3 ; trata-se para nós de 5 μ4 μ tendo o centro instintivo em segundo e não de 5 α e de 4 α reprimindo-o.

Consideramos que o centro reprimido é determinado durante os primeiros anos de vida e permanece constante durante toda a existência.

Uma descrição completa de todas as consequências deste modelo ultrapassa largamente o âmbito de um simples artigo. Estamos em vias de a finalizar. Esperamos que as informações aqui dadas sejam suficientes para alimentar a observação e a reflexão dos leitores.

Tipologia do centro instintivo

A tipologia do centro instintivo descreve três formas de usar o centro instintivo : autopreservação (conservação), social e sexual (leia sobre isso os interessantes artigos de Peter O'Hanrahan neste número de EM e os três precedentes).

O tipo instintivo é adquirido e pode variar ao longo da vida. Sendo o tipo instintivo o resultado da reacção do tipo à sua educação e ao seu ambiente, é provável que esta terceira tipologia não seja totalmente independente da tipologia do centro reprimido e que algumas combinações sejam pelo menos mais frequentes do que outras. Por exemplo, parece-nos que o 7 μ é mais frequentemente do subtipo social, dito sacrifício.

Conclusão

A tripla tipologia que acabamos de passar ao de leve é um dos fundamentos do Modelo Unificado do Eneagrama. As outras investigações em curso serão objecto de apresentações à medida que forem avançando.

O nosso objectivo ao apresentar este trabalho não é criar uma nova escola de pensamento do Eneagrama. A nossa comunidade não precisa disso e está antes a sofrer de excesso. As ideias aqui apresentadas são-no para serem objecto de discussão e, se possível, de cooperação. Sentem-se livres de contactar-nos para nos comunicar as suas observações, comentários, críticas ou aprovação ; todas as suas contribuições serão úteis e recebidas com reconhecimento.